Fábrica de bolas e produção de móveis e peças em gesso são ferramentas para a ressocialização de apenados no complexo penitenciário  Nelson Hungria. Produção de móveis
Fábrica de bolas e produção de móveis e peças em gesso são ferramentas para a ressocialização de apenados no complexo penitenciário Nelson Hungria. Foto: Divulgação Agências Minas

Em novembro de 2002, Antônio Marcelino de Lima atravessou os portões de uma prisão pela primeira vez. Ele ficou atrás das grades até julho de 2005. Os quase três anos de encarceramento não impediram o empresário, hoje com 57 anos de idade, de continuar pensando em negócios e naquilo que havia construído antes.

Atualmente, Lima já conta dez anos de uma experiência que remete ao passado, mas que lhe reserva um papel completamente distinto. Todo dia, ele transpõe a muralha do Complexo Penitenciário Nelson Hungria na condição de proprietário de uma fábrica de móveis que emprega detentos.

O ex-detento trabalhava com móveis havia mais de 20 anos e administrava a própria marcenaria quando foi preso. Era reconhecido no mercado por ser um dos mais destacados empresários do ramo de madeira de demolição do Brasil. Sabia como ninguém transformar madeiras antigas em móveis luxuosos, voltados para consumidores exigentes.

Inicialmente, Lima cumpriu pena no presídio Antônio Dutra Ladeira, em Ribeirão das Neves. Depois, foi para o Complexo Penitenciário Nelson Hungria, em Contagem. E foi nos últimos sete meses de prisão que voltou a exercer o ofício de marceneiro.

Assumiu a coordenação da pequena marcenaria da penitenciária, que supria demandas simples de consertos do mobiliário do próprio complexo. Ali, vislumbrou a chance de, ganhando a liberdade, ser parceiro da penitenciária. Por experiência própria, sabia que o trabalho é um grande aliado na ressocialização de detentos e que podia contar com um bom desempenho dos futuros empregados.

Em um galpão de 600 metros quadrados, Lima emprega atualmente três presos e tem mais quatro em fase de treinamento, com jornada diária de oito horas. Madeiras centenárias, que chegam de todas as partes do Brasil, vão ganhando forma por obra das serras e das lixas. Viram móveis de alto padrão, maciços, que o empresário expõe no show room que possui numa área nobre, na Serra da Moeda, no município de Brumadinho.

O negócio deu tão certo, que, em 2013, Antônio resolveu baixar as portas da última marcenaria que ainda mantinha fora da penitenciária. “Resolvi fechar. Aqui compensa muito mais. Conto com a assiduidade dos meus funcionários, que não faltam nunca, exceto se estiverem doentes, tenho incentivos fiscais e o comprometimento de toda a equipe”, diz Lima, que já administrou três marcenarias ao mesmo tempo. Ele conta que ao longo dos últimos dez anos já empregou mais de 100 presos.

Funcionários dedicados

Jackson Fernandes Isidoro, de 25 anos, trabalha na marcenaria desde 2012. Preso há oito anos, ele se diz grato pela oportunidade de aprender uma profissão. Isidoro ainda tem uma longa pena a cumprir, mas o trabalho tem ajudado a transformar a sua vida.

“Aprendi uma profissão e hoje me considero um bom ajudante de marceneiro. O mais interessante deste trabalho é ver a transformação da madeira. Às vezes a gente não dá nada por um pedaço, mas com um pouco de criatividade podemos transformá-lo em uma peça chique e útil”, diz o detento.

É exatamente isso que o preso Marcelo da Silva faz nas horas vagas. Apesar de estar há pouco tempo na fábrica de móveis, aprendeu que desperdiçar pedaços de madeira é inadmissível. Cuidadosamente, o detento recolhe os retalhos, os lixa e corta em filetes do mesmo tamanho. Assim, constrói uma fruteira dobrável versátil, que pode ser vendida a um bom preço no mercado.

Aos 35 anos, o rondoniense Silva concorda com o patrão, quando este diz que o trabalho é umas das principais alternativas para ressocializar a pessoa encarcerada. “Vou sair daqui uma nova pessoa. Errei, mas estou sendo uma pessoa melhor a cada dia”, diz.