Um projeto de lei que tramita na Câmara Municipal de Pouso Alegre quer transferir o feriado da Consciência Negra, celebrado no dia 20 de novembro, para o terceiro domingo do respectivo mês.

O projeto tem validade já para este ano, quando o feriado cairia em uma segunda-feira. Em 2016 a data caiu em um domingo. E em 2015, quando foi instituído na cidade, o dia 20 caiu em uma sexta-feira.

O autor do projeto, o vereador Rodrigo Modesto (PTB), diz que o pedido foi feito a ele por comerciantes que constataram que o feriado em dia de semana estaria prejudicando a melhora no comércio local e consequentemente a contratação de mão de obra.

Modesto justifica ainda que o feriado poderia ser declarado apenas por lei federal. Nos últimos anos, foram diversas decisões judiciais considerando inconstitucional a decretação do feriado não religioso pelo município, entre elas uma decisão do Supremo Tribunal Federal que suspendeu o feriado da Consciência Negra em Curitiba.

Apesar das decisões judiciais contrárias, mais de 1.000 cidades brasileiras, incluindo grandes centros econômicos como São Paulo e Rio de Janeiro, tem o feriado, seja por lei municipal ou estadual, segundo levantamento da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Atualmente um projeto de lei está tramitando na Câmara dos Deputados para tornar a data um feriado nacional.

Reflexo da escravidão, racismo e desigualdade

Ainda hoje, os quatro séculos de escravidão vividos no Brasil pesam sobre os negros, pardos e indígenas. “Devido à herança da escravidão, a população negra não teve as mesmas oportunidades no trabalho, no acesso à educação, à cultura e a uma série de coisas que fazem parte do dia a dia da população branca”, esclarece a professora Carolina Bezerra, ex-diretora de ações afirmativas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

Segundo o Atlas da Violência 2017, enquanto homicídios de negros cresceu, a taxa caiu no restante da população. A estimativa é que os cidadãos negros tenham um risco 23,5% maior de sofrer assassinato em relação a outros grupos populacionais.

De acordo com dados de 2016 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a soma daqueles que se declaram negros e pardos no censo representa 52,9% da população brasileira. Essa população, no entanto, ganha menos da média do país.

Joaquim Barbosa: ex-ministro do STF ainda é uma das poucas referências brasileiras de negros que chegaram a um alto cargo na carreira (Nelson Jr./SCO/STF)

Um trabalhador branco tem um rendimento médio de R$ 2.660, enquanto um negro ganha R$ 1.461, e os pardos R$ 1.480. E os números apontam que a desigualdade não está relacionada a educação ou capacitação. Segundo uma pesquisa de 2014 do Ministério do Trabalho, a média de salário entre negros formados é de R$ 3.777 contra R$ 5.589 de brancos, quantia 47% maior. Os dados mostram também que, quanto mais capacitado, mais desvantagem o negro ou pardo tem em relação ao branco quando o assunto é o dividendo ao fim do mês.

Posição do Comércio e de representantes da classe negra

Para o presidente do Sindicato do Comércio do Vale do Sapucaí, Alexandre Magno, o feriado não é a melhor forma de buscar a conscientização: “O dia da consciência negra é muito importante e precisa ser marcante. Agora, eu não acho que haja a necessidade de ser feriado. Temos que fazer com que as pessoas reflitam sobre o dia. Se simplesmente for feriado, não vai ocasionar nada. Que fosse um dia facultativo, ou um sábado especial, onde trouxesse eventos, artistas, e cultura para a cidade, para que pudéssemos refletir sobre tudo o que aconteceu no período da escravidão e como é hoje as questões de classe também”, diz Alexandre.

O presidente da ACIPA, Sérgio Tadeu Borges pede bom senso com a quantidade de feriados: “A data comemorativa tem que existir, mas tem que haver um bom senso, pois estamos vivendo um momento de crise. Dai pega o mês de outubro, que temos dois feriados. Tem semana do saco cheio que tem férias de uma semana. Dai entra em novembro com três feriados: finados, proclamação da república, e consciência negra. E não é só pelo comércio. Pouso Alegre é uma cidade que concentra muito serviço público e muitas cidades procuram Pouso Alegre para resolver isso, e só aqui é feriado, isso cria um transtorno”.

Sergio propõe que seja realizado uma semana com eventos: “Nesses dois anos que se passaram com feriado, não houve uma comemoração expressiva em relação a consciência negra. Não teve um evento cultural, da educação, social. O que precisa é converter esse dia de feriado, que fica ócio, já que todo mundo para, para uma semana produtiva da consciência negra. As escolas poderiam promover campanha, poderia desenvolver uma corrida, apresentações na praça, e a ACIPA estaria participando disso, de uma forma que acontecesse comemorações mais expressivas, do que só feriado quando acaba se tornando um dia de descanso comum”.

Para o coletivo negro “Raiz de Baobá”, transferir o feriado seria como anula-lo. “Há 2 anos o coletivo vem realizando eventos na praça João Pinheiro para trazer esta história para nossa cidade, com a oportunidade de conscientização e reflexão sobre nossa cultura, história, luta e resistência às opressões que até hoje prevalecem. Este dia atente sim a nós negros. Transferir o feriado da “consciência negra” para um dia que não o dia 20, acaba sendo sinônimo de anula-lo”, disse por meio de nota nas redes sociais.

Um audiência pública deve ser marcada na Câmara para discutir o assunto.

Membros do coletivo negro “Raiz de Baobá” esteve na Câmara nesta terça-feira (Foto: Câmara)