Foto: Blog do Airton Chips
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A informação chegou a mim no meio da tarde da sexta-feira, 22. Através do celular, o leitor indignado contou o fato e pediu providencias. Segundo ele, há varias semanas um cidadão de meia idade está morando em um bueiro, uma saída de esgoto que cruza a avenida perimetral no bairro N.S.Fatima.

– Ele está morando num buraco! Parece uma toca de bicho! Para se aquecer e espantar os pernilongos, já que o bueiro desagua no mato próximo ao ‘rio cortado’, ele queima pneus e restos de plástico na porta do buraco. Ontem eu parei para conversar com e ele contou que está desempregado e não tem onde morar…! Disse também que procurou a assistência social da prefeitura, mas ninguém fez nada! Faça uma matéria sobre isso Chips… – pediu-me o indignado leitor.

Foto: Blog do Airton Chips
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Ao pé da manhã de sábado fui fazer uma visita ao “homem lobo”. Cheguei tarde… Ele já havia saído. Talvez à procura do desjejum ou de trabalho!

As informações do leitor eram verdadeiras. As brasas e cinzas dos últimos pneus queimados durante a noite para espantar o frio, os pernilongos e outros bichos ainda estavam quentes. Havia até um cachorro malhado de médio porte e meia idade timidamente tomando conta da ‘casa’ do ‘eremita’…! Sua cama feita de espuma de colchão, trapos de tecidos e papelão ainda estava desarrumada…! As fotos falam por si…

Ainda não sabia quem era o homem lobo! Mas pelo perfil, pressupunha que ele não era um andante, pois andantes não fixam ‘moradia’! Também não seria um usuário de drogas expulso de casa pela família, pois nesse caso ele iria dormir debaixo da ponte do Mandu, atrás da igreja, na porta do mercado ou sob marquises do centro, sempre na companhia de seus iguais. O solitário ‘homem lobo’ da Perimetral tem o perfil de um cidadão que já teve dias melhores! Que já viveu com dignidade! Se era branco, não é mais… Pois a fumaça e a fuligem dos pneus queimados na ‘porta da frente’ da toca já mudaram sua cor!

O epiteto de ‘homem lobo’ dado por este blog ao cidadão que há semanas vive – vive? – num bueiro na beira da principal via de acesso da hospitaleira “princesa do sul”, na verdade não lhe cai bem. Lobo vive numa vastidão de matas arejadas e frescas, se move ao sabor do vento – ou do alimento – e se alimenta, não raro, de carnes nobres! O epíteto para o cidadão do bueiro da Perimetral – que um dia já foi pagador de impostos – combina mais com outro bicho bem menor, bem menos elegante, bem menos nobre… Um bicho cuja espécie começa com a letra ‘r’ e que faz do esgoto seu habitat natural…!

Foto: Blog do Airton Chips
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O estilo de vida do Homem Lobo da perimetral combina com o visual de algumas cidades brasileiras, inclusive com a própria Pouso Alegre contemporânea, progressista cidade que coloca mensalmente em seus cofres milhares de notas de cem, mas que não é suficiente sequer para cuidar da aparência da ruas, das praças e canteiros públicos! O Homem Lobo da Perimetral, infelizmente, é só o primeiro cidadão – em Pouso Alegre – que volta às origens!

Homem Lobo da perimetral quer trabalhar

Levantei mais cedo na quinta-feira (28) para tomar café com o Homem Lobo da Perimetral. Quando cheguei à sua ‘casa’ ele não estava mais nos braços de Morfeu, mas ainda estava debaixo das cobertas. Reticente, introspectivo e ressabiado demorou alguns minutos para sair da toca… Das duas: da toca cheia de trapos e papelão enegrecida pela fumaça dos pneus e madeira queimados durante a noite, e da toca da mente! Tinha medo de falar! E foi incialmente agressivo. Minha presença o incomodava. Ele queria me ver pelas costas! Foram necessários uma boa dose de paciência, de argumentos e uma cédula de ‘mico leão dourado’ para puxar-lhe língua e ouvir seu nome!

Foto: Blog do Airton Chips
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Rogerio Oliveira, nasceu em São Paulo, diz que tem 46 anos, não deve nada a justiça – percebe-se pelo perfil e modus vivendi – e está há mais de dez anos no ‘trecho’! Só no bueiro da Perimetral, segundo o cidadão que caminha por ali diariamente e se sensibilizou com sua ‘sofrencia’, desde outubro do ano passado!

Foto: Blog do Airton Chips
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– Quando foi que você começou essa vida, Rogerio?
– Ah, já tem uns dez anos…
– E por quê?
– Cachaça…
– …!
– Eu trabalhava em São Paulo… Mas comecei beber muito. Perdi o emprego, minha mãe morreu. Não sei do meu pai. Aí eu saí andando… Fui para Santa Catarina. Faz tempo que estou no ‘trecho’.
– Você ainda bebe?
– Não. Parei.
– Onde você passa o dia?
– Por aí… ganho alguma coisa. Os amigos – pessoas que lhe dão comida – ajudam. De noite venho pra cá…
– Pra quê a fogueira toda noite?
– Espanta bicho… Aqui não tem luz! Serve para clarear ‘minha casa’…
– O que você quer…?
– Só quero trabalhar… Mas ninguém dá emprego. Pego uns ‘bico’! Capino quintal… Faço artesanato.
– Como você se alimenta…?
– Os amigos dão comida…
-… E banho..?
– Não tem jeito, né…! A gente vai levando…
– Você procurou a assistência social?
– Conheço ninguém, não…
– Voce tem algum sonho, alguma esperança?
– Eu queria trabalhar… Estou tentando melhorar um pouco – a aparência – para arrumar um emprego!

Respostas prontas Rogerio tem claras e audíveis na ponta da língua. No entanto, quando se aventura a falar mais de sua vida passada e seus sonhos, ele – parece ter vergonha dos sonhos – fala tão baixo que somente ele ouve e entende. Uma coisa ficou bem clara na curta entrevista em pé, na porta da ‘casa’ enegrecida pela fumaça, ouvindo o vuuum-vuuum-vuuum dos carros passando a 90 por hora defronte a placa pregada no poste indicando 60, poucos metros acima na avenida: Rogerio, o Homem Lobo da Perimetral, sonha trabalhar, sair do bueiro, voltar à vida de anos atrás. Voltar para perto dos parentes em São Paulo.

Outra coisa também está bem clara: Se ele não receber um ‘incentivo’, o único lugar para o qual ele irá, será o fundo do bueiro! O mais longe que o cidadão Rogerio Oliveira – ou seja lá qual for seu nome – irá será o outro lado do bueiro por baixo da pista dupla, em direção ao abandonado Estádio “Minduinzão”!

Quando começou morar no bueiro, tanto bueiro quanto o morador tinham outra aparência, como se vê nas fotos tiradas em outubro passado e neste 28 de maio! A cada dia a vida do homem lobo se parece mais com a aparência do bueiro… Sujo, maltrapilho, assustador… As pessoas correm léguas dele! Sem o “incentivo” de um órgão publico, mantido com dinheiro de impostos, só resta ao “Homem Lobo da Perimetral” afundar ainda mais na degradação social!

Que pena que ele veio parar em Pouso Alegre, numa cidade tão pobre…!!!