Pessoas ligadas a cultura protestaram na Câmara (Foto: Reprodução Facebook)
Pessoas ligadas a cultura protestaram na Câmara (Foto: Reprodução Facebook)

Criada as pressas, a Fundação Tuany Toledo continua sendo fortemente criticada pelo setor cultural em Pouso Alegre. Na sessão da Câmara da terça-feira (12), cerca de 50 integrantes do setor cultural estiveram presentes. Com cartazes e cabides (fazendo alusão aos supostos cabides de emprego), eles protestaram contra a fundação.

Presidente da Academia Pouso-Alegrense de Letras, Stela Saponara, utilizou a Tribuna (Foto:Câmara)
Presidente da Academia Pouso-Alegrense de Letras, Stela Saponara, utilizou a Tribuna (Foto:Câmara)

Durante a sessão, a presidente da Academia Pouso-Alegrense de Letras, Stela Saponara, utilizou a Tribuna representando o movimento contra a fundação. Durante 10 minutos sua fala foi acompanhada e aplaudida por integrantes do setor cultural.

Stela contou a história de 1972, quando a prefeitura de Pouso Alegre tentou vender o Teatro por meio de uma lei, e mesmo aprovada e sancionada, foi revogada, graças a pressão da sociedade e artistas na época, que foram a Câmara.

Pessoas ligadas a cultura protestaram na Câmara (Foto: Reprodução Facebook)
Pessoas ligadas a cultura protestaram na Câmara (Foto: Reprodução Facebook)

Ela ainda explicou que quem faz Cultura é o povo: “As únicas duas coisas que restaram em Pouso Alegre foi o quê? A cultura e a história. Por quê? Por que a cultura não depende de poder público. A cultura quem faz é o povo”, disse, citando depois diversas pessoas e entidades culturais.

Por ultimo, Stela questionou os gastos para a Fundação, enquanto pessoas não tem o que comer: “Não precisa de poder público, de ninguém comandando a Cultura, promovendo Cultura… Agora, fazer uma fundação que vai ser uma fortuna, em uma época que, na minha casa vai todo dia gente pedir comida. Toda hora, porque o povo não tem comida?”, questionou.

Stela questiona fundação
Stela questiona fundação

A Fundação Tuany Toledo

O presidente da Câmara, Mauricio Tutty (Imagem: Reprodução TV Câmara)
O presidente da Câmara, Mauricio Tutty (Imagem: Reprodução TV Câmara)

Criada no final de maio, e já sancionada, a Fundação Tuany Toledo se apoderará de três deparatamentos da Câmara Municipal: a TV Câmara, a escola do legislativo, e o Museu Tuany Toledo. O presidente, com mandato 4 anos, prorrogáveis para 8, será nomeado por um conselho, em grande maioria nomeado pelo atual presidente da Câmara, Mauricio Tutty.

Apesar de afirmar que a fundação não trará mais gastos e cargos do que a Câmara já tem hoje com os departamentos, o projeto prevê que Fundação ainda receberá 0,5% da receita tributária municipal, o que atualmente daria cerca de R$ 1,2 milhões. A fundação consumirá, cerca de R$ 2,4 milhões, além de outras receitas de sobras da Câmara, que deverão ser destinadas a fundação.

Confira a íntegra do discurso de Stela Saponara

Eu estava o dia todo hoje estudando para vir falar aqui, mas eu recebi um telefonema, de tardezinha, que eu não iria falar. Que eles tinham mudado meu dia para agosto, não sei quando. Então eu não trouxe nada do que eu escrevi para falar hoje. Mas tudo bem. Vou falar sem isso mesmo.

O negócio é o seguinte, isto que eu estou fazendo aqui hoje chama-se contraditório. Que que significa isso? Isso só acontece em uma democracia. Na ditadura não existe o contraditório. Mas na democracia existe o contraditório. O que que significa? A gente questionar, criticar. Isso é saudável e democrático, porque a democracia, esta Casa aqui, tem que exalar democracia. Não sei se isso acontece aqui. Deveria acontecer. Por quê? Por que democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo. Então, não tem sentido fazer alguma coisa aqui dentro desta Casa, uma coisa séria, importante, que vai mexer com toda a estrutura cultural da cidade, que está indo muito bem, obrigado. E ela acontece e eu vou provar aqui hoje, que não tinha nenhuma necessidade dessa fundação.

Eu estou na cultura há 50 anos. Eu e muitas pessoas aqui. Então o que que acontece? E isso tem que acontecer. Em Belo Horizonte, eu ouvi no rádio hoje, eles estão fazendo um movimento cultural para a cultura de Minas Gerais com o povo, com a opinião dos agentes culturais de Belo Horizonte, todo mundo envolvido. Aqui, não, que não acontece isso.

E nós estamos fazendo cultura aqui há anos. Muito bem e a história se repete, sabe porquê? Por que em (19)72, o Banco do Brasil vinha para Pouso Alegre e não tinha onde ficar. Dois vereadores resolveram fazer um projeto de lei para vender o prédio do Teatro Municipal para o Banco do Brasil. Está no meu livro. Agora eu sou historiadora também.

Fiz uma pesquisa durante quatro anos do que que aconteceu dentro daquele Teatro Municipal. O que não está no meu livro é por que não existe mais, perdeu-se. Dois vereadores: ‘Ah, não tem onde por o Banco do Brasil. Vamos vender o teatro!’. A Câmara votou unanimemente. Todos votaram para vender o Teatro Municipal, um prédio neoclássico do século XIX. Um patrimônio cultural da cidade. E surgiu na Câmara para vender o teatro. O prefeito da época sancionou. Aquela beleza! Tudo pronto. Combinado o preço que seria. O que que iria fazer com o dinheiro? Metade para construir o CNEC, que vinha para Pouso Alegre, e metade para construir outro teatro. Vê se pode. Se tem cabimento! Isso acontece em Pouso Alegre e vem acontecendo há anos.

Agora, muita coisa deixou de acontecer, porque a comunidade grita. A comunidade reclama e vai em cima. Então o que que aconteceu? Os artistas da época, a sociedade da época foi para a Câmara, que era lá no Fórum antigo. A revolta foi tamanha. Quem era o presidente da Câmara era o Simão Pedro Toledo. O que que aconteceu? Acabou a lei minha filha! Desistiram imediatamente. A história está repetindo. Não pode isso acontecer.

Eu falo o seguinte, Pouso Alegre. Veja bem por que eu sou contra essa Fundação. Pouso Alegre acabou tudo, nós não temos mais nada. Qualidade de vida… não restou nada. As únicas duas coisas que restaram em Pouso Alegre foi o quê? A cultura e a história. Por quê? Por que a cultura não depende de poder público. A cultura quem faz a cultura é o povo. O agente cultural é o povo. O povo é o agente e o objeto da cultura. Por que ele faz a cultura e ele recebe as consequências da cultura. Por isso ninguém mexeu na cultura.

Cultura em Pouso Alegre vai muito bem, obrigada. Eu vou citar para vocês aqui todo mundo que faz cultura em Pouso Alegre. Eu tinha na minha lista, eu não trouxe hoje, mas eu vou lembrar:

A Univás. Quantos anos tem o curso de história e cultura dentro daquela universidade? A Facapa. Está tendo um curso aí agora de História, Religião e Artes. O que que é Cultura? Cultura é o conjunto. São todas as manifestações humanas. É a Cultura. Isso é Cultura. O povo manifesta. Não precisa de prefeito, não precisa de Câmara. É a manifestação popular. Isso é Cultura. E está acontecendo aí em muitos lugares em Pouso Alegre.

O Conservatório está fazendo Cultura há quantos anos? Desde de a década de 50. O Clube Literário já foi uma fonte de Cultura. Em Pouso Alegre. As associações de artesãos. Por que Cultura é tudo. É religião, é artesanato, é história, é o que que a gente veste, o que que a gente come. Como que a gente reage em relação ao idoso, à criança, ao divino. Tudo é Cultura. Isso é Cultura, ninguém promove Cultura não.

A Cultura ela flui do povo, da manifestação. Nós no Sul de Minas, nós não somos muito ricos no folclore, nós não temos o folclore muito rico, mas a Cultura está aí, em todos os lugares. Sabe onde se faz Cultura em Pouso Alegre? No mosteiro do Padre Mário. Lá tem uma biblioteca. As crianças têm Cultura lá dentro.

Onde mais que tem Cultura em Pouso Alegre? No Museu. O Museu é uma fonte de história e Cultura. Eu ligo a TV Libertas, eu falo meu Deus do céu, quanta história. Outro dia eu vi o Mayke falando sobre a história do Rio Mandu.

Que beleza que a TV Câmara é um sucesso com o menino, com o Marquinhos Amâncio. Ele está pondo som na catedral agora. Vem muita gente de outro lugar, mas o Marquinho é que vai resolver.

A Facapa, a Univás, até a Faculdade de Direito produz Cultura, em parceria com o Conservatório. A Caixa Econômica Federal faz Cultura. A Polícia Militar faz Cultura em Pouso Alegre, (com) uma banda lindíssima, que vai para todo o lugar. As associações de bairro. Eu tenho uns vizinhos lá, uns menininhos que fazem Cultura. Eles juntam todo os sábados para tocar, para cantar.

Os Hip-Hop estão aí em tudo que é lugar. Não precisa de poder público, de ninguém comandando a Cultura, promovendo Cultura. E por isso que eu sou contra essa fundação. Quando eu li aquilo, eu falei: “Gente eu acho que eu peguei o papel errado. Isso daqui é de outra cidade, não é de Pouso Alegre”. Por que Pouso Alegre a única coisa que restou foi isso. A única coisa que acontece é isso. Agora, fazer uma fundação que vai ser uma fortuna, em uma época que, na minha casa vai todo dia gente pedir comida. Toda hora, porque o povo não tem comida.

Não sobrou nada. Nós não temos uma praça. Tudo envergonha. Minha sobrinha outro dia veio de São Paulo: “Tia, o que que está acontecendo com Pouso Alegre? Pouso Alegre está fedendo”. Ela falou isso para mim. ‘Tá fedendo Pouso Alegre’. A história… Quantos historiadores… O Didu faz história em Pouso Alegre há quanto tempo? Quanta história em Pouso Alegre. Historiadores! Estou contando a história de Pouso Alegre! Fazer uma fundação para contar a história de Pouso Alegre. Me poupe! Me poupe!

Então é isso aí. Isso é o que eu penso. Eu assumo o que eu penso, porque é o que eu vivo. Não adianta virar secretário de Cultura, virar isso e aquilo, porque não vive na área, não conhece a realidade da nossa cidade. Então o que é que tinha que perguntar? Chamar a comunidade cultural de Pouso Alegre. O que é que vocês acham? Nós estamos querendo fazer. Pedir pelo menos uma opinião. E nós vamos lutar até o fim, até o fim! Para que ela não aconteça.