Inês morreu em 2015

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) decidiu nesta quarta-feira (14) aceitar a denúncia feita pelo Ministério Público Federal do Rio contra o sargento acusado de estuprar uma pouso-alegrense em uma prisão clandestina durante a ditadura. A denúncia havia sido rejeitada pela 1ª Vara Federal Criminal de Petrópolis. É o primeiro processo criminal de estupro aberto contra militares por crimes cometidos durante a ditadura.

O sargento reformado do Exército Antônio Waneir Pinheiro de Lima, que utilizava o codinome de “Camarão”, é acusado de cometer sequestro, cárcere privado e estupro da historiadora, e militante da extrema-esquerda, Inês Etienne Romeu na chamada “Casa da Morte”, uma prisão clandestina que funcionava em Petrópolis (RJ).

Foram 2 votos a favor da abertura do processo contra um contrário. Os magistrados acolheram o argumento do MPF de que o caso se trata de crime contra a humanidade, imprescritível e não passível de anistia.

Inês integrou o grupo de extrema esquerda Var-Palmares, do qual a ex-presidente Dilma Roussef fez parte. Ela foi presa em São Paulo, e ficou 96 dias sob tortura na “Casa da Morte”. A Justiça Militar chegou a condena-la a prisão perpétua por participação no sequestro do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher em 1970. Ficou presa de 1971 até ser posta em liberdade em agosto de 1979, depois da aprovação da Lei de Anistia.

Antonio Waneir Pinheiro Lima, conhecido como Camarão

O Sargento só foi identificado em novembro 2014, após uma pesquisa feita pela imprensa com integrantes do Exército. Até então, o que se tinha era uma descrição feita por Inês ainda em 1979: “Baixo, claro, natural do Ceará. Sua família reside em Fortaleza. Seu nome real é Wantuir ou Wantuil”, contou ela, à época. Inês acrescentou ainda que ele disse ter feito parte da segurança do presidente João Goulart, antes do golpe militar. Inês morreu em abril de 2015, cinco meses após o nome do Sargento ser identificado.

Inês

Ao proferir a decisão, a desembargadora Simone Schreiber descreveu que o Brasil é signatário de tratados internacionais que reconhecem e estupro, execução sumária, tortura, entre outros, cometidos em um contexto ditatorial como crimes contra a humanidade. Por isso, segundo ela, no caso denunciado por Inês, a Lei de Anistia não se aplica. Ela também citou uma “relutância” do judiciário em lidar com o tema e disse que a situação deixa consequências. A posição também foi defendida pelo desembargador em exercício Gustavo Arruda Macedo.

“O país (Brasil) e mais especificamente o poder judiciário relutam em lidar com o seu passado e adotar um modelo transicional adequado às obrigações jurídicas assumidas em um plano internacional. Essa dificuldade de enfrentar as graves violações cometidas em nome do Estado estão amparadas em uma cultura de esquecimento da qual algumas das consequências reconhecidas pela comunidade internacional são a perpetuação das estruturas de poder autoritárias e legitimação de violências policiais e torturas cometidas nos dias de hoje contra a população civil. Assim, diante da existência de conjunto probatório mínimo, ao embasar o recebimento da denúncia, e do reconhecimento do impacto das normas de direito internacional interno de que os crimes contra a humanidade são imprescritíveis e inanistiáveis, há que ser recebida a denúncia”, afirmou Schreiber, em seu voto.